sábado, 31 de agosto de 2013

TEORIA DO VAMPIRISMO



PSICANÁLISE DO VAMPIRO E O VAMPIRO NA PSICANÁLISE

A literatura psicanalítica relacionada com os vampiros não é muito importante. É possível citar Karl Abraham (1965) que descreve a fase de sucção pré-ambivalente e evidentemente ligada ao momento da sucção no vampirismo. Em seu ensaio Le cauchemar, Ernest Jones (1931, 2002) destaca que o vampiro é um símbolo das pulsões inconscientes e da defesa psíquica. O mito tem a ver com os desejos infantis, em particular desejos incestuosos diante do morto. O medo da alma do outro mundo é o medo dos viventes de ver determinados conteúdos inconscientes recalcados voltarem à consciência, o que, segundo Jones, explica por que é frequente que o vampiro venha assombrar parentes próximos.
Para Pérel Wilgowicz (2000), o modelo do vampirismo é também o de uma análise em que dois seres estão ligados um ao outro na impossibilidade de morrer como de nascer. Um opaco ao outro Um impenetrável ao outro, e o segundo exangue; um bebe na transfusão sua sobrevivência, o outro se esvazia de sua essência vital. Esse modelo de transfusão concebido a partir do vampirismo é o próprio modelo de uma análise. Este é um momento quase inexplorado.
Wilgowicz (2000) pensa que o mito de vampiro, "alma do outro mundo em corpo", nem morto nem vivo, e suas variantes literárias e artísticas, se prestam a esclarecer aspectos clínicos e metapsicológicos aquém das problemáticas edipianas e narcísicas. Um vampirismo psíquico pode ser revelado nas patologias narcísicas,borderline, ou psicossomáticas está em ação particularmente nas patologias do luto e pós-traumáticas. Irrepresentável, ante e antinarcísico, o vampirismo associa uma tendência à indistinção sujeito/objeto, uma imprecisão de limites temporoespaciais, a circulação umbilical de um fluxo sanguíneo de um ao outro dos parceiros no interior de uma pele comum. Negando origem, nascimento e mortalidade, forçando em tensão infanticida e matricida/parricida, o vampirismo encadeia as gerações no processo vampiresco de uma "precedência" muda da linhagem anterior, que entrava a subjetivação. É pré-narcísico, o arcaico absoluto: é o caos onde não há ato de palavra que nomeia e separa. O vampyro de Pérel Wilgowicz designa a "alma do outro mundo em corpo". É um vampiro que é um não morto não vivo. O Vampyro designa também o vampiro vampirizante num laço indissociável com o vampirizado: o processo vampiresco do qual o vampiro é o agente e o vampirizado é o objeto.
André Green (1983) tem a ideia de que uma relação vampiresca liga a imago da mãe fálica àquilo que é a criança. O vampirismo psíquico se refere às patologias do narcisismo nas estruturas ditas clínicas. O vampirismo ocupa o lado de cá do espelho: não é figurável, nem representável, sem reflexo, sem sombra, sem imagem num universo sem tempo e sem espaço, fora do recalcamento. É a imortalidade de um narcisismo primário absoluto que é infiltrado de pulsões de morte.
Por seu lado, Donald D. Winnicott (1965) evocou a transferência vampirizante de determinados pacientes que exigem uma longa elaboração da separação. Willy Baranger (1985, 1999) descreve diversas espécies de mortos vivos em estados depressivos.
O tema do vampirismo atravessa toda a psicopatologia e assim o encontramos em Jean-Claude Sempé (1976, 1978). Alain Roger (1985) aborda o vampirismo no enquadramento da perversão e do fetichismo. Dominique Pérard (1985), junto de crianças dialisadas, fala de uma paciente ligada a uma "máquina-vampira" em relação com uma avó vampirizante. É preciso citar ainda os trabalhos de Prudent-Bayle (1986) e de Jean-Claude Aguerre (1993, 1996, 1997). Os de Nicolas Abraham e Maria Torok (ABRAHAM & TOROK, 1987) também são importantes: sobre o luto, a cripta, o fantasma, a obsessão. Foi isso que estimulou Pérel Wilgowicz em direção ao vampirismo. Ela se pergunta na ocorrência se não haverá uma identificação com o vampiro na identificação endocríptica deduzida por Abraham e Torok. Essa identificação vampiresca que forra a membrana críptica seria reatualizada no analista graças à contratransferência. O analista modularia afetos que não são verbalizados, seja do analisando criança, seja dessas imagos, para permitir a abertura da cripta, a transformação da incorporação do objeto num processo de introjeção.
 A literatura psicanalítica relacionada com os vampiros não é muito importante. É possível citar Karl Abraham (1965) que descreve a fase de sucção pré-ambivalente e evidentemente ligada ao momento da sucção no vampirismo. Em seu ensaio Le cauchemar, Ernest Jones (1931, 2002) destaca que o vampiro é um símbolo das pulsões inconscientes e da defesa psíquica. O mito tem a ver com os desejos infantis, em particular desejos incestuosos diante do morto. O medo da alma do outro mundo é o medo dos viventes de ver determinados conteúdos inconscientes recalcados voltarem à consciência, o que, segundo Jones, explica por que é frequente que o vampiro venha assombrar parentes próximos.
Para Pérel Wilgowicz (2000), o modelo do vampirismo é também o de uma análise em que dois seres estão ligados um ao outro na impossibilidade de morrer como de nascer. Um opaco ao outro Um impenetrável ao outro, e o segundo exangue; um bebe na transfusão sua sobrevivência, o outro se esvazia de sua essência vital. Esse modelo de transfusão concebido a partir do vampirismo é o próprio modelo de uma análise. Este é um momento quase inexplorado.
Wilgowicz (2000) pensa que o mito de vampiro, "alma do outro mundo em corpo", nem morto nem vivo, e suas variantes literárias e artísticas, se prestam a esclarecer aspectos clínicos e metapsicológicos aquém das problemáticas edipianas e narcísicas. Um vampirismo psíquico pode ser revelado nas patologias narcísicas,borderline, ou psicossomáticas está em ação particularmente nas patologias do luto e pós-traumáticas. Irrepresentável, ante e antinarcísico, o vampirismo associa uma tendência à indistinção sujeito/objeto, uma imprecisão de limites temporoespaciais, a circulação umbilical de um fluxo sanguíneo de um ao outro dos parceiros no interior de uma pele comum. Negando origem, nascimento e mortalidade, forçando em tensão infanticida e matricida/parricida, o vampirismo encadeia as gerações no processo vampiresco de uma "precedência" muda da linhagem anterior, que entrava a subjetivação. É pré-narcísico, o arcaico absoluto: é o caos onde não há ato de palavra que nomeia e separa. O vampyro de Pérel Wilgowicz designa a "alma do outro mundo em corpo". É um vampiro que é um não morto não vivo. O Vampyro designa também o vampiro vampirizante num laço indissociável com o vampirizado: o processo vampiresco do qual o vampiro é o agente e o vampirizado é o objeto.
André Green (1983) tem a ideia de que uma relação vampiresca liga a imago da mãe fálica àquilo que é a criança. O vampirismo psíquico se refere às patologias do narcisismo nas estruturas ditas clínicas. O vampirismo ocupa o lado de cá do espelho: não é figurável, nem representável, sem reflexo, sem sombra, sem imagem num universo sem tempo e sem espaço, fora do recalcamento. É a imortalidade de um narcisismo primário absoluto que é infiltrado de pulsões de morte.
Por seu lado, Donald D. Winnicott (1965) evocou a transferência vampirizante de determinados pacientes que exigem uma longa elaboração da separação. Willy Baranger (1985, 1999) descreve diversas espécies de mortos vivos em estados depressivos.
O tema do vampirismo atravessa toda a psicopatologia e assim o encontramos em Jean-Claude Sempé (1976, 1978). Alain Roger (1985) aborda o vampirismo no enquadramento da perversão e do fetichismo. Dominique Pérard (1985), junto de crianças dialisadas, fala de uma paciente ligada a uma "máquina-vampira" em relação com uma avó vampirizante. É preciso citar ainda os trabalhos de Prudent-Bayle (1986) e de Jean-Claude Aguerre (1993, 1996, 1997). Os de Nicolas Abraham e Maria Torok (ABRAHAM & TOROK, 1987) também são importantes: sobre o luto, a cripta, o fantasma, a obsessão. Foi isso que estimulou Pérel Wilgowicz em direção ao vampirismo. Ela se pergunta na ocorrência se não haverá uma identificação com o vampiro na identificação endocríptica deduzida por Abraham e Torok. Essa identificação vampiresca que forra a membrana críptica seria reatualizada no analista graças à contratransferência. O analista modularia afetos que não são verbalizados, seja do analisando criança, seja dessas imagos, para permitir a abertura da cripta, a transformação da incorporação do objeto num processo de introjeção.
 
O VAMPIRO, UM INVARIANTE CULTURAL
O vampiro é um invariante cultural, como o mostra Claude Lecouteux (2009). É o símbolo da intrusão da morte num universo que a exclui. O vampiro representa a inquietude que nasce de uma ruptura da ordem, de uma fissura, essencialmente na relação dos mortos com os vivos. É o que Lecouteux estuda, a partir dos tratados do século XVIII que analisam histórias de vampiros, intituladas de memora, isto é, relatos dignos de passar à posteridade, em razão de seu caráter excepcional. A lenda não é comparável ao conto enraizado na vida cotidiana. A lenda se refere a um sistema de crenças, explica ele. É precisamente por essa razão que é preciso analisar o mito do vampiro como invariante cultural.
O saber vampirológico é, por assim dizer, teorizado no livro de Bram Stocker, se explicando pelo entusiasmo pelos vampiros nessa época. A explicação da não decomposição dos vampiros é um enigma que o mito busca resolver. Os vampiros transgridem todas as regras da natureza, e põem novamente em questão as noções de vida e de morte. Primeiro, são as almas do outro mundo e, na Antiguidade clássica, toda interrupção antecipada da vida tem consequências perigosas para o indivíduo e para os demais viventes.
O homem deve cumprir seu destino, viver o tempo que lhe é atribuído pelos deuses, de outro modo não há falecimento, isto é, não há passagem para o outro lado. A morte é um rito de passagem. Uma pessoa que não viveu até o termo que lhe foi prescrito não pode passar, e fica bloqueado entre aqui e além. Existem, portanto, más mortes, e as boas mortes são uma dádiva dos deuses. Os defuntos formam uma comunidade próxima da dos viventes.
O vampiro é um membro de uma família de almas do outro mundo específicas. Há uma tradição do vampiro, há toda uma mitologia em torno desse tema, através da ideia de que há seres que podem chupar o sangue de pessoas vivas normais, e torná-las vampiros por contágio. Nessa mitologia já encontramos a ideia de um contágio possível pelo contato da sucção. De que corpo se trata? O vampiro é homem ou mulher, tem dentes compridos e brancos, e sua aparência é antes de palidez. Sai à noite de seu caixão e/ou de seu sono para tentar morder o pescoço de suas vítimas e lhes chupar o sangue, tornando-as vampiros, por sua vez. É bem visível aí uma dimensão diabólica. Existem diversas maneiras de sair daí. Trata-se de acabar com os corpos deles. Quando estão em seus caixões, é preciso lhes enfiar uma estaca de madeira no coração, cortar-lhes a cabeça e enchê-la de alho, assim como ao seu corpo. Além disso, é preciso ter à mão um crucifixo.
O nível antropológico é extraordinariamente rico. Historiadores, sociólogos, antropólogos (LECOUTEUX, 2009) estudaram esse assunto. Constata-se que os períodos de aparecimentos e de caça às "almas do outro mundo em corpo" são os mesmos das epidemias de peste na Europa (CHMIEL, 2001). O mito do vampiro aparece no século XVIII, no momento em que a ciência se desenvolve e em que há epidemias de peste. Houve de fato nessa época muitos cadáveres que eram perigosos porque transmitiam uma doença. Quando se faz um histórico desse mito, encontra-se, então, no Ocidente, a peste. Há, também, na história muitos criminosos que cometeram horrores, associados à figura do vampiro. É a ideia de que essas pessoas são não humanas.
O interessante é saber sobre que realidade psíquica se constitui esse mito. O que pensar sobre a dentição, o sangue, a oralidade? Os mitos são construídos sobre a realidade psíquica do sujeito.
O livro de Bram Stocker, Drácula, tornou-se um grande clássico da literatura. Após dez anos de escrito. O próprio Bram Stocker se inspirou na obra de Marie Nizet (1879) que já falava de um vampiro. Se não inventou o mito de Drácula que pode ser encontrado na literatura que o precede, tem o mérito de ter concentrado em sua obra toda uma mitologia esparsa. A tal ponto que é possível dizer que tudo o que surge a seguir sobre o tema dos vampiros no Ocidente saiu de Stocker.
O campo da cultura se define como uma fronteira entre os vivos e os mortos, para o filólogo e filósofo Rudolf Kleinpaul (1989), que Pierre Kaufmann (1974) retoma em seguida a Freud, definindo-o como um sistema específico de símbolos. É preciso que haja uma fronteira estanque. É o significante também que pode tornar uma fronteira mais ou menos porosa ou estanque entre os vivos e os mortos, sem suturar a circulação entre os dois, e é aí que o vampiro aparece. É um significante que reorganiza as relações entre os vivos e os mortos numa cultura. Uma cultura deve poder se certificar de que seus mortos estão verdadeiramente mortos e de que seus viventes estão verdadeiramente vivos.
O vampiro concentra e canaliza nele, como poder, figura e imagem também, tudo o que há de indeterminação em nós quanto à distinção entre a vida e a morte, todo um vazio entre vida e morte.
Freud fala de uma projeção do desejo de imortalidade. E afirma que o inconsciente ignora o tempo. Ignora a temporalidade. Uma parte de nós ignora, portanto, o tempo, visa à imortalidade e pura e simplesmente recusa a morte. Será que o "retorno em corpo" do vampiro é um retorno a algumas figuras que cristalizam o desejo de imortalidade do inconsciente? É mais complicado do que isso. Porque há o contágio, a oralidade, um perigo de identificação. Nós estaríamos misturados a vampiros na sociedade humana. Há estratégias para erradicá-los, mas as há também para reconhecê-los. Há uma ameaça permanente no seio do mundo humano que é de nos defrontarmos com vampiros que não podemos identificar. Vejamos agora como a psicanálise fala do vampiro.